quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Interregno

Aqui jaz um corpo expectante. O meu.
No SO do Hospital, observo. São azuis as paredes. O branco tradicional decididamente ausente, banido desta sala.
Fixo o mostrador do relógio. Só os ponteiros avançam. Eles e os vultos de batas coloridas que circulam num vaivém constante numa e noutra direcção.
O silêncio dele. Incomoda. Dói. Um agravo a mais. Não corresponderá ao apelo, o derradeiro, a um amor decerto inexistente. Compreendo-o. Foi minha a iniciativa do rompimento. Uma vez mais. Como um pêndulo. Quero-o e não o quero. Não assim, tão livre, tão de outros. De outras, aliás.
Olho as linhas geométricas no tecto, fixo uma entre muitas. A imobilidade completa. Um certo adormecimento também. De alma, sobretudo.
Há três horas havia o Sol, a praia tão aprazível, serena, quase deserta na tépida tarde outonal. Porque não fiquei ali lendo o livro? Bem interessante, de resto, espero que o não levem. Lá ficou no cesto da bicicleta abandonada.
As trevas da inconsciência numa ameaça a repetir-se, o susto. Não fossem elas e estaria bem. Estou bem agora. Não na ambulância; aí a angústia de quem se sente a submergir na escuridão da inconsciência, o ar que se não respira. Valeu-me o oxigénio . Sem ele… o fim de tudo. Ou não.

Tinha porém de enviar-lhe o SMS. Num gesto romântico, possivelmente. Queria que esta fosse a minha última mensagem, a do meu amor por ele. Queria que o soubesse. Sabe-o de há muito.

A meu lado a idosa agita-se. Tão frágil. Há lágrimas no seu olhar. Está só, de momento.

Algures alguém é informado de que está a ter um enfarte. O meu pai. Evoco-o. Lutador. Até ao limite. Sou sua filha, nisso também.

Exaurida, prostrada. Imóvel não tenho dores. Resigno-me à espera. A inquietude do desconhecimento. Que se passa comigo? Vou sobreviver, claro. Sei-o agora. Não o sabia então, ali deitada nos degraus da escada, junto ao muro. Inquieta, sem bem saber a gravidade do meu estado. Ali mesmo, à beira da inconsciência, exposta aos olhares indiferentes, curiosos, ou vagamente compassivos , dos raros transeuntes. A desconfiança do jovem inglês face ao meu pedido. Quisera apenas que retirasse a bicicleta da via. O pobre hesitou, acedeu por fim , algo incomodado perante a explicação, afastando-se rapidamente concluída a tarefa. O jovem casal sim, prestável, agradeci-lhes a ajuda oferecida, inútil a espera acompanhada. Aguardaria, na solidão, a ambulância do Inem que eu própria chamara.

A demora. Quase não conseguira completar a chamada prestes a perder a consciência e a voz de lá, neutra, incrédula talvez, indiferente à urgência do pedido de socorro. Solícitos, os outros, os que viram o desequilíbrio e a queda aparatosa, estúpida, o peito embatendo de encontro ao poste de ferro, felizmente de ponta arredondada. Dissera-lhes que estava bem. De momento.

Esta opressão. Na sala o movimento é agora menor. Os raros profissionais que ainda circulam não se aproximam de mim. Ignorada. Ter-me-ão esquecido? Continuo na maca. Aguardo.

O telemóvel por fim. Uma amiga. Tranquilizo-a. Devo estar bem. Sim, a ausência de dores será por certo um bom sinal. Respirar, porém é-me ainda difícil. Onde a vitalidade? Que se passa comigo?
Infeliz. Ocorre-me que ele ligará lá para casa, decerto o fará. Não o move o amor. Um certo sentido de dever, imagino.
Finalmente uma médica. De forma apressada diz que vai observar-me. Quer libertar a maca...

O telemóvel que toca de novo. Olho o visor. É ele. Aguarda a minha voz, em silêncio. Não sei exactamente o que me diz. Escuto-o imbuída de culpa pela decisão tomada, sentindo a sua mágoa, o ressentimento. Não te preocupes, vou ficar bem, termino. Ficarei. Decerto.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Regras de funcionamento

Não há grandes regras. Afixação livre. Quaisquer dúvidas, este é um óptimo forum. Recapitulando:
1) só se imagina a partir do que se conhece.
2) a boa notícia é que para "conhecer" é preciso imaginação,
3) conseguir ver o ponto de vista do outro (não trabalhámos isso, lamento)
4) mas podemos trabalhar agora,
5) há uma estrutura básica para contar uma história, o caminho do ponto A ao ponto B,
6) ou seja, sabemos como começa e acaba a história (tal como a vidinha), só não sabemos
7) o que se passa no entretanto - e esse "no entretanto" é que tem interesse,
8) toda o drama tem o seu lado cómico
9) e toda a comédia tem o seu lado dramático,
10) a diferença é mais de tom,
11) um texto é um crime organizado e, ao contrário da realidade, tudo tem de bater certo
12) a aplicação das noções de estrutura dramática ao fio da narrativa costumam ser úteis,
13) a narrativa não tem de ser certinha, mas ajuda ver se cumpre os requisitos mínimos.
14) O Buda diz: "Eu não procuro, encontro"
15) mas igualmente sábio (ou talvez até mais) seria dizer "Eu não encontro, procuro".
16) Tentem ser imaginativozinhos e sereis pateticamente autobiográficos, mas...
17) tentem ser autobiográficos e descobrir-vos-eis genialmente imaginativos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Os anagramas do primeiro dia - alguns mui lindos, outros podem melhorar

ALEXANDRA ANTUNES - RENA DA SEXTA LUNNA
ANABELA GONÇALVES – BALANÇAS, VOGAL ENE?
ANTÓNIO CARVALHO – VI O CANTAR NO ALHO
BERNARDO MOURA – BERRANDO AMOR
FILIPA FIGUEIREDO – FALIDO PIREI E FUGI
INÊS BAPTISTA – TIP, Ñ SEI, BASTA!
JOÃO OLIVEIRA – O JOVIAL REI ÃO
LAURA SILVA – SALIVA LUAR!
LEONOR FERREIRA – O RIR É FERA NO LER
LUÍS HENRIQUES – QUEHR LUSSIIE (Lussiie é o nome duma gaivota exótica)
MARIA LEONOR GASPAR – A MARIA GORN LÊ PROSA
MARGARIDA CACHÃO – CAMA GARRIDA DO CHÃO
MARGARIDA MAIA – MIMADA, AGARRAI
MARTA MELO GOUVEIA - O LIVRO TEME A MÁGUA
MÓNICA SOUSA – SÔ ÚNICA, AMOS
NEUZA SILVA – SUZI NA VELA
OLGA FILIPE – PLAGIOFILIA
RAQUEL SOUSA – SE SAQUO LUAR
RICARDO NEVES – VERANO D CRISE
RITA DIAS BALTAZAR – ZITA, BALDAS, HÁ A MIM!
ROSÁRIO DIOGO – DIÁRIO ROGOSO
SARA MIRIAM – IR AMAR MAIS
SARA KARIM – KRIAS AMAR

Bem vindos ao Anagrama Club 2011

Um blogue efémero onde podemos depositar - à espera de leitores - jogos, exercícios e até textos menos sérios como romances, poemas etc.